5.07.2009

Cannes 2009 (3)

"Pedro Costa, João Pedro Rodrigues, João Salaviza, João Nicolau, Mónica Baptista estão de partida para o Festival de Cannes. Levam na bagagem uma actriz/cantora francesa, um travesti, uma chave mágica, um detido em prisão domiciliária e o Expresso do Oriente."

in Público

Barcelona 09/10

Depois de ter concorrido, ter sido seleccionado, me ter convencido que iria viver seis meses em Paris, as equivalências de cadeiras impediram-me de tal. Pois bem, depois do longo e intenso dilema "e agora?! Para onde vou?!", São Paulo e Barcelona foram as finalistas. E, depois dos prós, dos contras, das opiniões e das contra-opiniões, dos conselhos e vontades, Barcelona e a Universitat Autònoma de Barcelona foram as eleitas. Seis meses na cidade Erasmus!
Agora coloca-se o segundo grande dilema: "onde vou ficar a morar tanto tempo?!". Residência de Erasmus em Barcelona procura-se! Tempo: de Setembro de 2009 e Fevereiro de 2010!

University of California Berkeley

Depois de longas e penosas semanas à espera da confirmação, chegou hoje: faltam 18 dias para ir para a University of California, Berkeley. 6 semanas! (Esperemos que venha de lá um verdadeiro poliglota!).

This is England

Nada melhor que uma ida ao cinema a meio da semana da Queima das Fitas. Ressaca-se, destila-se o álcool, pensa-se (pelo menos uma vez por semana), enfim, dá-se folga ao fígado.
Depois de algumas reticências de parte alheia/de terceiros quanto à escolha do filme, contemplou-se This is England - Isto é Inglaterra de Shane Meadows.
O filme é muitíssimo bom.
Se por um lado Meadows filma o retrato de um país, (a Inglaterra), de um tempo e de uma época bem definidos, de uma sociedade e de uma geração muito próprias e distintas das restantes; por outro lado não se distancia do particular, analisando a vida de uma tribo urbana muito díspar e característica entre si, mas com factos similares marcantes: uma crise de identidade, uma ausência de referências, uma crise de valores (tão presente nos nossos dias) mais, como afirmou Jorge Mourinha "filhos sem pai".
O tempo é o Verão de 1983. O espaço é a Inglaterra de Margaret Thatcher. Posto isto, sem dúvida alguma diríamos que se tratava de um filme histórico e de certo modo, ultrapassado. Embora se trate sim de um drama realista histórico, os problemas e as temáticas que aborda são deveras contemporâneas: o racismo, a guerra, os nacionalismos violentos, os movimentos neo-nazis, os skinhead, a imigração, a tolerância e a falta dela, o desemprego, a exclusão social, a educação, enfim, enfim. A actualidade da película é inquestionável e, isso torna-a uma pérola.
This is England relata-nos de uma forma crítica e de uma forma própria de olhar a sociedade e o outro, a história de Shaun, um rapaz de doze anos, órfão de pai, com o pai morto na Guerra das Malvinas, em crise de identidade, num vazio de valores, Shaun é o bobo da corte da escola que frequenta. E, no meio de tudo isto, os únicos que lhe dão a atenção de que precisa são um grupo de skinhead (pacíficos, ainda assim). A situação destabiliza-se aquando da libertação de Combo, um mix de líder violento e um convicto apoiante das SS de Hitler que chora, quase numa assunção de qual donzela arrependida. O momento em que Combo agride Milk (o negro do grupo), caluniando-o, ofendendo-o pela sua raça e cor de pele, não estamos perante uma agressão de teor racista mas sim pela fraqueza e fragilidade familiar de Combo. Também ele não tem pai, também ele não tem referências adultas.
This is England, tem tudo, um argumento sublime, excelentes interpretações e uma realização fora de série: num tempo em que a comunicação (pelo menos no mundo para cá da "cortina de ferro") já era democratizada e conhecida de e por todos, o realizador através de um óptimo trabalho de montagem, combina a narrativa com sons de época vindos das TV e das rádios. Mais, a própria imagem do tempo da acção mostra-se gasta e bastante antiga, parecendo-nos um filme realizado em 1983 (o tempo da narrativa). Tal facto sublinha, recorrendo a aspectos de natureza técnica, mais uma vez a contemporaneidade da longa-metragem.
Nada falha, tudo é 80s, e Shane Meadows hiperboliza tudo o que é 80s: desde os carros, os cubos mágicos, as cozinhas, a moda, a música (tem uma óptima selecção musical e uma banda sonora única), os hábitos, tudo. O pormenor dos aspectos ditos secundários é tal que se torna obsessivo.
Em suma, e agora numa crítica social e política sobre algumas questões que This is England se farta de reflectir, vejamos: como disse acima, o filme não está distanciado temporalmente de hoje, o radicalismo neo-nazi e neo-fascista está a ressuscitar nos países como maior história democrática europeia. Não são apenas tribos sociais (que acolhem negros, como neste filme), são tribos políticas que têm um discurso de tal forma enganador que por vezes nos parece apetecível de aderir. Falo por mim. São falsas verdades. P.e., quando Combo afirma que parte da classe média britânica não tem emprego porque os emigrantes, em particular os paquistaneses "se apoderaram de todo o tecido laboral" e que devem ser destituídos e extraditados para os seus países de origem, isto não passa de uma autêntica falsa verdade. Primeiro, ele próprio não trabalhava porque não queria e era tudo menos cumpridor da lei (afinal, já tinha estado preso); segundo, o outro tem todo o direito àquilo que podemos oferecer. O ocidente representa o sonho da liberdade, da democracia, do respeito, da tolerância e da justiça, e se durante anos patrocinámos tudo isto não me parece que faça hoje sentido "exportar" como se de mercadoria se tratasse seres humanos sérios e trabalhadores para o mundo opressor e com fome de que fugiram.

Nota: 5, excelente.

4.30.2009

Ópera de Oslo - Prémio Mies van der Rohe

Cannes 2009 (2)

"Afinal há quatro portugueses em Cannes: além de João Pedro Rodrigues, que mostra o novo Morrer como um Homem na secção Un Certain Regard, de Pedro Costa, que estreia Ne Change Rien, o documentário sobre Jeanne Balibar, e de João Nicolau, que participa na Quinzena dos Realizadores com a curta Canção de Amor e Saúde, também Mónica Baptista faz parte da selecção da 62ª edição do festival.
Documentário de onze minutos sobre o Transiberiano, Territórios atravessa a Rússia num vagão de terceira classe em que viajam, lado a lado, um soldado russo e um checheno. Mónica Baptista usa esse vagão como maquete do complexo puzzle político russo, sempre à beira da desagregação, e acompanha os dois viajantes numa travessia a um tempo geográfica e histórica.
Territórios tem produção de Rodrigo Areias (Periferia Filmes/Associação Cinematográfica Olho de Vidro), que também estará em Cannes. Foi o português escolhido pelo Instituto do Cinema e do Audiovisual para participar na plataforma Producers on the Move, onde espera encontrar financiamento para dois filmes de Edgar Pêra e para o seu projecto de realização de um western português dividido em três partes."
in Público.

Cannes 2009

"Na próxima edição de Cannes, João Pedro Rodrigues participa com Morrer como um Homem na secção Un Certain Regard, Pedro Costa e João Nicolau estão na Quinzena dos Realizadores - com, respectivamente, Ne Change Rien, documentário sobre a actriz e cantora francesa Jeanne Balibar, e a curta Canção de Amor e Saúde. Há uma parte do próximo Festival de Cannes que fala português.
Mas vamos ganhar distância: há sobretudo muitos europeus e muitos asiáticos a competir na 62ª edição do festival, que decorre de 13 a 24 de Maio: Pedro Almodóvar (Los Abrazos Rotos), Michael Haneke (Das Weisse Band), Ken Loach (Looking for Eric), Gaspar Noé (Enter the Void, um filme de terror que tem algumas hipóteses de estar à altura do "caso" que foi outro filme do realizador, Irreversível), Park Chan-wook (Thirst), Alain Resnais (Les Herbes Folles), Elia Suleiman (The Time that Remains), Johnnie To (Vengeance), Tsai Ming-liang (Visage) e Lars von Trier (Antichrist).Num ano em que Cannes olha para o oriente - o próximo e o extremo, se tivermos em atenção que a neozelandesa Jane Campion, com Bright Star, e o filipino Brillante Mendoza, com Kinatay, também entram nestas contas -, a América tem uma participação menos volumosa, mas não necessariamente secundária, na competição principal. Cannes queria ter, e teve, o novo de Quentin Tarantino (Palma de Ouro em 1994 com Pulp Fiction), Inglorius Basterds, e o novo de Ang Lee, Taking Woodstock. E, já fora de competição, há Drag me to Hell, de Sam Raimi - sessão à meia-noite, tal como previa a Variety, que acertou em quase tudo menos em Tetro, de Francis Ford Coppola, e Bad Lieutenant, de Werner Herzog. Nenhum dos dois consta do programa hoje anunciado em conferência de imprensa. Nova animação da Pixar na abertura. O festival abre com Up, a nova animação da Pixar, e fecha com o duplo Biopic, Coco Chanel & Igor Stravinsky, de Jan Kounen. Ainda em competição, ombro a ombro com Almodóvar, Tarantino e Resnais, estarão a americana Andrea Arnold, com Fish Tank, o francês Jacques Audiard, com Un Prophète, e Xavier Giannoli, com À l'Origine, o italiano Marco Bellocchio, com Vincere, a catalã Isabel Coixet, com Map of the Sounds of Tokyo, e o chinês Lou Ye, com Spring Fever. Na secção Un Certain Regard, Cannes continua a olhar para Oriente - "A nova geração de cineastas do Leste e do Extremo Oriente não tem forma, leis ou tradições para obedecer (...). Nunca tem falta de ideias visuais", escreveu o director Thierry Fremaux no programa desta edição. Há filmes do sul-coreano Bong Joon-ho, do iraniano Bagman Ghobadi, dos romenos Hanno Höfer, Razvan Marculescu, Cristina Mungiu, Constantin Popescu, Ioana Uricaru e Corneliu Porumboiu, dos russos Nikolay Khomeriki e Pavel Lounguine, do japonês Hirozaku Kore-Eda, do tailandês Pen-Ek Ratanaruang e do israelita Haim Tabakman, entre outros. Fora de competição, mas ainda dentro do ranking das novidades mais aguardadas da próxima edição: Alejandro Amenábar (Agora), Terry Gilliam (The Imaginarium of Doctor Parnassus), Robert Guédiguian (L'Armée du Crime) e Michel Gondry (L'Épine dans le Coeur)."

in Público.

4.29.2009

Singularidades de uma rapariga loura

Tive há pouco oportunidade de ver em Serralves a ante-estreia da mais recente longa-metragem do cineasta centenário Manoel de Oliveira: Singularidades de uma rapariga loura.
Como já o afirmei em anteriores crónicas, não sou nem conhecedor nato, nem apreciador crítico da obra do realizador português. No entanto, não deixo de reconhecer a capacidade criadora que teve e continua a ter ao filmar à sua maneira, muito própria, sendo ao mesmo tempo um aspecto distintivo e caracterizador do seu cinema.
O filme, como aliás é sabido, é inspirado, sendo similarmente uma adaptação do conto de Eça de Queirós, também ele com o mesmo nome. Se por um lado, entendo que Oliveira é um pouco como o whisky (não querendo ser grosseiro como a comparação), ou seja, não se gosta à primeira, vai-se apreendendo a gostar com alguma maturidade, por outro lado, qualquer um que admire a escrita de Eça acaba por gostar deste filme.
A narrativa é densa, descritiva, e, ao mesmo tempo simples, e irónica. É nos contada a história de Macário (Ricardo Trêpa) e do seu desejo e amor por Luísa (Catarina Wallenstein), a rapariga loura. Uma relação cheia de contratempos e por princípio podre, não por defeito ou culpa das circunstâncias, mas pela própria natureza do Homem.
Planos simples, crus e mais do que tudo, repetitivos abundam ao longo da película. Diálogos e discursos fora de tempo, espaços museológicos e personagens do mais teatral que há, quase a roçar a uma encenação próxima de Bresson. Oliveira filma uma Lisboa estática, de rotinas (e colinas), de hábitos: sempre do mesmo modo, de dia e de noite, sempre a mesma imagem, sempre a mesma Lisboa. Fá-lo para tornar o conto de Eça mais convincente, afinal, o próprio afirmava a comum e intemporal natureza do Homem português (burguês), sempre com os mesmos vícios p.e.; bem como, para acompanhar a própria vida literária do personagem principal, Macário, afinal mais uma vez, por mais voltas e mudanças que tentasse dar e ter, acabou por voltar ao mesmo sítio como no início da obra: solteiro e bom rapaz. É apaixonante ver Eça no ecrã.
Ainda a notar, Oliveira foi mestre nisto: acabou com o tempo entre Eça e os nossos dias. Por vezes cria-se no espectador uma certa confusão temporal na medida em que, os aspectos de natureza formal (objectos, notas, ruas, enfim) são contemporâneos, e os aspectos de natureza material (os discursos, o tratamento social, entre outros) são oitocentistas.
Em suma: Manoel de Oliveira além de manter uma realização oliveirista (como já o referi), recorre como sempre à temática dos valores sociais e morais, interpretando o papel de um cineasta pedagogo; mais, a imagem que faz cartaz ao filme é forte e provocadora, não sendo nada mais do que o desespero humano na recorrente e mais uma vez intemporal ausência de valores sociais.
Nota: 3, bom.

4.28.2009

Capitães de Abril

Depois do frenesim de mais umas comemorações do 25 de Abril, e a propósito dos 35 anos ou 33 anos de democracia em Portugal (também aqui a doutrina diverge, opto pela menor data), vi ontem o filme Capitães de Abril, realizado por Maria de Medeiros.
A narrativa do filme é a história dos dias 24 e 25 de Abril de 1974 no nosso país. É comum que em qualquer data ou acontecimento histórico com alguma importância para o curso da vida de um qualquer país, se percam as pessoas e apenas se recordem os factos, se esqueçam os homens e as mulheres para que os dados históricos prevaleçam na memória (colectiva) de uma nação. Posto isto, infelizmente ou não, a Revolução que pôs fim ao Estado Novo e à ditadura, não fugiu à regra. E, nisso, Maria de Medeiros foi mestra dando alguma vida humana, alguma personalidade e personalismo individual ao 25 de Abril: existiam pessoas, que tinham as suas vidas, ao mesmo tempo tão distantes e tão próximas entre si.
Gostei do filme. Não só pelos aspectos técnicos e de realização (que abordarei à frente), mas sobretudo pelo retrato do acontecimento em si do 25 de Abril. Podemos não gostar do que se seguiu. Pessoalmente repugno, afinal iríamos voltar a mais do mesmo (PREC). Contudo, qualquer um que tenha em si um espírito de mudança e de valores tão nobres como a liberdade e a democracia, não pode não gostar do 25 de Abril. Ainda assim, admito tal como o Miguel Sousa Tavares que, a euforia anual do 25 de Abril e as suas comemorações qualquer dia desvalorizam o próprio acontecimento histórico em si. Com isto, não menosprezo de todo a data mas, não admito que ainda haja alguma esquerda que advogue que o 25 de Abril é sua propriedade privada (aliás, seria algo irónico já que são contra a própria propriedade privada).
Voltando ao filme: é interessante perceber o dilema que na altura alguns oficiais militares e outros viviam, entre uma formal obediência hierárquica e um dever moral de consciência; entre serem aplaudidos como heróis ou vaiados como assassinos de guerra. Este é outro dos aspectos que Maria de Medeiros também aborda diversas vezes ao longo da película, e bem.
Por um lado, de notar a sublime interpretação de Stefano Accorsi, no papel de Salgueiro Maia e, por outro lado, a fantástica caracterização dos personagens e dos espaços tão "típicos" e próprios da época, mostrando também como a capital "do império", Lisboa, também tinha os seus "q" de ruralidade e atraso, portanto imaginemos o resto da "paisagem lusa"...
Merece também referência a belíssima imagem que Medeiros recorrentemente se serve: a entrada dos tanques e outros veículos militares numa Lisboa deserta de gente.
Capitães de Abril foi vencedor do prémio do público do Festival de Arcachon, além de ter ganho na qualidade de melhor filme a Mostra Internacional de São Paulo em 2000.
Nota: 3, bom.

A passagem da noite

A noite de ontem foi no mínimo nacional. Dois filmes portugueses num verdadeiro serão de mantas axadrezadas e ar condicionado a 31º!

A Passagem da noite, de Luís Filipe Rocha é a realização cinematográfica daquilo a que se pode chamar um exemplo académico ou case study de Direito com uma infeliz possibilidade prática e factual.
A película conta-nos a história de Mariana, uma jovem de 17 anos que, depois de vir do enterro de um amigo, também ele de 17 anos, acaba sendo violada numa barraca da praia de Carcavelos. Dessa violação, Mariana fica grávida, escondendo de todos esse facto, querendo por tudo acabar com esse estado (de graça), não contando nada aos pais nem à polícia.
Contrariamente àquilo que se resolve numa Faculdade de Direito: a estrita solução jurídica do problema, em que a especial atenção é dada ao agente criminoso e não à vítima, Luís Filipe Rocha (apesar de licenciado em Direito) inverte os sujeitos.
O filme é bom e, por ter um argumento consistente e provocador é-lhe exigido mais, portanto, infelizmente mal aproveitado.
É a realização das desigualdades sociais, da pobreza, da prostituição, da exclusão social, enfim, da droga e que nos vai colocando difíceis questões (quase de consciência individual): se é preferível uma vida de miserável ou a morte; a eterna máxima de Platão "aquele que faz a injustiça é mais infeliz que aquele que a sofre"; a vergonha familiar ou um silêncio suturno; a culpa, (mais uma vez).
Por abordar questões como as acima referidas Luís Filipe Rocha podia ter ido mais longe, não se cinjindo à mera constatação real das mesmas.
Alguns aspectos importantes e que por vezes passam despercebidos durante o filme: primeiro, tal como o amigo de 17 anos que morrera, Mariana morre para a inocência, morre para a adolescência, vendo-se obrigada a encarar de forma muito crua a vida agora de adulta; a promiscuidade entre a Polícia Judiciária e algumas enfermeiras aborteiras não deixa de ser um ponto a reflectir.
Este é um realizador que torna a narrativa extremamente dependente dos espaços físicos (muito bem caracterizados por sinal): por um lado, os primeiros minutos da longa-metragem (em que Rocha filma o bairro em que vive a personagem de Leonor Seixas) além de serem reveladores dos "guetos" que a actual sociedade cria, das condições urbanísticas e humanas que lá se vivem, entre outros, assinalam a maior propensão social daquelas pessoas a fenómenos como a prostituição ou a drogra, p.e.,; por outro lado, a repetição exaustiva do túnel da praia da Carcavelos (local do primeiro encontro entre Mariana e o Gadelhas) torna-se o espaço físico por exelência de todo o filme.
Nota: 3, bom.

4.27.2009

Os tambores da noite

Apesar de já ter visto a peça Os tambores da noite de Bertolt Brecht, durante a semana que passou, apenas hoje tive oportunidade de escrever sobre a mesma.
Este é o primeiro trabalho de encenação de Nuno Carinhas, enquanto director artístico do Teatro Nacional São João (TNSJ), seguindo-se a Ricardo Pais (encenador das melhores peças que por lá já passaram: O Mercador de Veneza, Otelo ou ainda, A Dúvida). Portanto, depois do legado maior de Pais, Carinhas tinha sobre si uma enorme pressão. Surpreendeu e muito!
Os tambores da noite são uma autêntica apologia contemporânea ao convencionado, às convicções (e crenças) individuais e à sua consequente veracidade prática, mais, uma verdadeira reflexão sobre o estado do mundo e sobre quem o lidera.
Se me perguntassem sobre qual o género em que inseriria formalmente a concreta obra, sinceramente não o saberia: a peça tem por um lado diálogos próximos da comédia, e por outro lado, tem uma narrativa materialmente dramática, em concreto trágica.
É ainda de notar a proximidade d'Os tambores da noite com a clássica obra de Almeida Garrett, Frei Luís de Sousa, quando tal como na primeira alguém responde "ninguém" quando lhe perguntam "quem és tu?".
A obra que Bertolt Brecht considera "um perfeito exemplo da vontade humana. Fi-lo para ganhar dinheiro", (facto que, vindo de um anarquista próximo do marxismo purista, torna-o no mínimo surpreendente) conta-nos a história de Andreas Kragler, um soldado operário feito refém em África que regressa a Berlim (sua terra natal) aquando da Revolução Espartaquista quatro anos depois de ter sido dado como desaparecido. O tempo da acção são os anos de 1918-1919. Um militante teórico do socialismo que começando por aderir àqueles ideais acaba por lhes virar as costas optando por uma “grande cama, branca e larga”. Se por um lado tal comportamento revela-nos o "anti-herói" que Kragler é (opta pela noiva mesmo sabendo que esta estava grávida de outro homem e o traíra enquanto esteve em África, p.e.), por outro lado é a própria fraqueza do ideal socialista, o qual na prática mais parece algo próximo do burguesismo disfarçado de um esquerdismo pseudo-intelectual. No fundo, perante o mais fácil, o mais social e politicamente correcto, o menos desconfortável, o homem cede às circunstâncias traindo-se a si próprio, qual catárse de uma morte intelectual.
Uma peça que vive do simbólico, do visual e mais do que tudo, dos aspectos sonoros (de notar como começa a obra: ao som de estridentes tambores). Uma peça com belíssimos cenários: a lua vermelha que ocupa quase todo o palco ao longo da acção parece-nos sempre um indício trágico de algo, um indício trágico da própria auto-traição de Kragler às suas convicções e ideais. Uma peça com sublimes interpretações, acompanhadas de textos eloquentes, cómicos, e por vezes (quase) clássicos. Gostei.

Fireflies in the garden

Fireflies in the garden - Um segredo muito nosso (tradução no mínimo pirosa), do realizador canadiano Dennis Lee é o protótipo de filme que tem um trailer que desperta a atenção fazendo com que se vá vê-lo, e que depois se torna uma tremenda desilusão.
A película tem um argumento, strictu sensu bom: a dramática e desordenada relação familiar entre Michael e o pai, sendo que o pretexto que Lee usa para dar o mote à longa-metragem é a morte da mãe, Lisa Taylor, numa simbólica participação (especial) de Julia Roberts.
O filme mais parece saído de uma bimbi que teve que combinar "ingredientes não combináveis", resultando daí, apenas simples clichets que se vão sucedendo uns atrás dos outros, déjà vus infantilmente óbvios, discursos previsíveis, bem como, uma sucedânea de frases feitas e combinadas.
Além do argumento que serve de base a toda a acção da película ser razoavelmente bom, como afirmei anteriormente, e do conjunto de actores, também eles bons; este filme, formalmente tinha tudo para ser bom (ou mais do que isso), mas não. Lee apresenta-nos um melodrama "de quinta", sem qualidade alguma.
Sentimento final: uma pura perda de tempo.

Nota: 1

4.21.2009

Pranzo di Ferragosto

Por insistência alheia e sem grande vontade de fazer um out cinema, preferindo antes um home cinema, lá fui (a pé) ao cinema ver Pranzo di Ferragosto - Almoço de 15 de Agosto. Uma película cómica e, bastante negra de Gianni Di Gregorio, também ele protagonista do filme. É uma obra simpática e, por não ser nem grande conhecedor nem grande entusiasta do género, deixo-vos a crítica de Mário Jorge Torres. Nota: 3

Depois de muitos anos de glória, desde a emergência do neo-realismo, sobretudo no pós-guerra, com "Roma, Cidade Aberta" e "Libertação" de Rossellini, passando pela vitalidade perene da chamada "comédia à italiana" e prolongando-se até aos 70 com um cinema de autor fortemente personalizado (Visconti, Fellini, Antonioni), o cinema transalpino atravessa um período difícil, sem soluções visíveis, que não a de telefilmes, mais ou menos indistintos. Por isso é de saudar a estreia deste "Almoço de 15 de Agosto", se bem que haja na sua concepção elementos que poderíamos associar a influências televisivas, rapidamente superadas por um inteligente uso do cenário, por personagens complexas e bem construídas e por uma "mise-en-scène" inventiva, a explorar um microcosmo de bairro, numa Roma deserta pelas férias estivas.
A primeira questão a sublinhar é, aliás, o modo brilhante como se convoca a memória cinematográfica italiana. Roma deserta, no Verão, evoca, desde logo, o périplo de Nanni Moretti pelas ruas e lugares quase fantasmáticos, em "Querido Diário", mas Gianni di Gregório nesta sua promissora primeira obra vai mais atrás, aos tempos da comédia de Dino Risi ou Mario Monicelli, com possíveis citações de "A Ultrapassagem", embora aspirando a recompor o tom de género, preferindo-o à remissão para um filme particular. Há ainda no registo nostálgico de um quotidiano ficcionado e nas figurações tragicómicas das velhas senhoras ecos do Ermanno Olmi de "O Emprego" ou de "Lunga Vita a la Signora". O protagonista, meio ocioso, meio obcecado, repega numa caracterização que associamos ao Alberto Sordi de "Uma Vida Difícil", não sem que possamos descartar rimas internas com "Os Inúteis" de Federico Fellini. Do neo-realismo recordamos a alegria de filmar e de viver de um filme como "Domingo de Agosto" de Luciano Emmer. Tudo respira cinema e pequena aventura no espaço limitado de um apartamento claustrofóbico, embora aberto à Cidade Eterna (sintomáticos os belíssimos planos do terraço) entre objectos familiares e fingimentos lúdicos, numa festa permanente que confunde gerações e explora histórias sem futuro e com um passado filtrado por um olhar penetrante e universal.
A abertura, com a leitura de "Os Três Mosqueteiros", numa luz fosca de pintura holandesa de interiores, demonstra esta paixão pela ficção transposta, lida por um filho à velha mãe, caprichosa e "coquette", interessada nos traços fisionómicos de D''Artagnan (inacreditavelmente traduzido, nas legendas portuguesas, por Dartacão, como se Alexandre Dumas não existisse e se reduzisse aos desenhos animados do passado recente) e numa recriação do mundo vivido, a partir da imaginação. A personagem do filho, um perdedor nato, especializado numa sobrevivência feliz, funciona como centro da acção e distribui os seus dotes gastronómicos e protectores, procurando harmonizar o espantoso grupo de orgulhosas senhoras dignas.
E, se a memória é o motor do filme, o esquecimento joga-se nas relações entre as anciãs que, de certo modo, tomam nas mãos os protocolos deste intermezzo de Verão: uma delas foge para fumar e apanhar o ar fresco da noite, outra recusa a dieta, "imposta" pelo filho, e come, às escondidas, a proibida massa no forno; a dona da casa esquece os seus agravos e junta-se à festa. A sexualidade, a comida, os prazeres do convívio tudo vem à colação, num registo de transgressão contagiante e poroso.
Claro que poderíamos acentuar um certo cariz autobiográfico deste filmezinho quase artesanal, em que o realizador assume também o papel do protagonista, filmando a função na casa romana que partilhou com a mãe, durante anos. Mas o que o torna cativante e irresistível é a sua vertente onírica de escape à realidade omnipresente e determinante: um pequeno sonho de um fim-de-semana de Verão, em que tudo se transfigura, tudo reverte para uma carnavalesca imitação de vida.

Linha de Passe

Como disse aquando da penúltima crónica - Diarios de Motocicleta, de Walter Salles - estava bastante curioso e expectante com a recente película do cinema brasileiro, Linha de Passe, um filme também do mesmo realizador, desta vez co-dirigido por Daniela Thomas.
É bom, mas nada de surpreendente.
A concreta película tem como palco da acção e da narrativa a cidade de São Paulo, a maior cidade da América Latina, uma das maiores metrópoles do globo. O filme consegue que sintamos toda a agitação, todo o caos, enfim, toda a cidade por inteiro. Respira-se São Paulo.
Desde o fenómeno A Cidade de Deus, (um dos meus filmes de eleição), que a produção de cinema brasileiro se acorrentou excessivamente à temática da favela e dos problemas sociais. Linha de Passe não foge (infelizmente) à regra. Walter Salles e Daniela Thomas apresentam-nos um retrato de uma sociedade cada vez mais à beira da rotura, de uma sociedade (exagerando) quase pré-revolucionária, mais, de uma sociedade não coesa e numa permanente luta de classes contemporânea.
A narrativa principal conta com cinco personagens: uma mãe e quatro filhos todos de pais diferentes, estando a primeira mais uma vez grávida não sabendo quem é o pai. Todos os personagens são a tipificação de uma certa sociedade paulista, de uma certa sociedade brasileira. Cleusa, a mãe, é uma mulher amargurada com a vida, abandonada pela sorte, entregue ao seu próprio destino, empregada doméstica em casa de mauricinhos, trabalha para se alimentar a ela e aos filhos. Denis, o filho mais velho, é paquete passando a vida a deambular de mota pela urbe de São Paulo; pai de uma criança, torna-se num ladrão. Dário, outro dos filhos, é o protótipo do aspirante a futubolista por necessidades económicas. Dinho, honesto, trabalhador, apresenta-se-nos como um fundamentalista religioso, o representante daqueles que encontram na religião o único ponto de fuga para tudo o resto. Reginaldo, o filho mais novo e o único de pele negra, passeia-se o dia inteiro de autocarro pela cidade para lá e para cá, tentando desesperadamente obter a atenção da mãe e, acima de tudo, encontrar o pai. Vidas que apenas por laços familiares se encontram e cruzam, afinal, todos os personagens se nos vão sendo caracterizados pelas suas rotinas solitárias e repetitivas.
Acerca dos aspectos de realização de notar a intiligente passagem de história de um personagem para outro, além da palete de cores utilizada.
Linha de Passe, aparenta-nos por vezes um conjunto de lugares comuns à la carte e de situações sem novidade, pior, previsíveis. Factos que não abonam nada a favor do filme. No entanto, um bom exercício de um pós-realismo sócio-cultural.
Nota: 3
(Ainda bem que a sorte me reservou Barcelona e não São Paulo!).

Appaloosa

Vi na quinta-feira passada Appaloosa do realizador Ed Harris. Não é mau de todo, mas, sinceramente não sou propriamente fã de western film. Enfim, Jorge Mourinha atribui-lhe nota 2, avaliação que partilho. Digamos que nem comentarei o filme como de costume.

Apetecia-nos muito gostar de "Appaloosa"; não só porque gostamos muito de "westerns", mas porque a segunda realização do actor Ed Harris depois do "Pollock" de boa memória é um filme sincero e honesto que tem o coração no sítio certo - a saber, no amor ao "western" clássico e na vontade de, simultaneamente, o homenagear e o recriar numa altura em que o género caiu em desuso.
Ainda por cima, esta adaptação do romance de Robert Parker sobre dois xerifes de aluguer (Harris-actor e Viggo Mortensen, extraordinários) que assentam arraiais numa cidadezinha sem lei para a libertar do jugo de um barão de gado lê-se como um "concentrado" dos códigos do género: amizades viris, emboscadas, ataques índios, assaltos a comboios, perseguições a cavalo, duelos na poeira, etc., etc.
Mas esse "concentrado" parece querer meter o Rossio na Rua da Betesga, demasiadas vezes colado às três pancadas, como um caderno de encargos a preencher, com Harrisrealizador a deixar o filme arrastar-se sem chama nem ritmo; Renée Zellweger é um caso gritante de "miscasting" no papel feminino; e o final que encerra uma curiosa meditação sobre o fim anunciado do velho Oeste parece pertencer a outro filme. Apetecia-nos muito gostar mais de "Appaloosa", mas a sinceridade e a honestidade de Harris e uma mão-cheia de bons momentos não chegam para fazer dele mais do que um bom esforço que não chega lá - dentro do género, preferimos-lhe o "A Céu Aberto" que Kevin Costner realizou há uns anitos.

Jorge Mourinha

4.16.2009

Diarios de Motocicleta

Depois de ontem ter visto Che - O Argentino, de Steven Soderbergh e, em vésperas da estreia do filme de Walter Salles, Linha de Passe, decidi aproveitar-me da minha MEO vendo Diarios de Motocicleta - Diários de Che Guevara, uma longa-metragem deste último.
Razões do "concreto aproveitamento": primeiro, conhecer melhor o personagem histórico e icónico que foi Ernesto Guevara de la Serna, servindo tal película de ponto de partida zero para compreender as recentes obras cinematográficas de Soderbergh; segundo, para conhecer alguma da obra de Salles tendo em conta que, estou muito entusiasmado com a estreia de amanhã, afinal, é de certo modo um retrato de São Paulo. Adiante, deixemos as considerações acerca de Linha de Passe para mañana.
Diarios de Motocicleta (adopto o nome original do filme dada a infelicidade da tradução encontrada), é uma verdadeira epopeia contemporânea da imensidão e diversidade que ainda hoje é a América do Sul. Tendo por base Notas de Viage de Ernesto Che Guevara e Con el Che por Latina América de Alberto Granado, o filme narra a viagem que em 1952 (que durou nove meses) Ernesto e Alberto fizeram de mota, a pé e à boleia pela América Latina, conhecendo a Argentina, o Chile, o Perú, a Colômbia e a Venezuela, enfim, de Buenos Aires a Caracas, passando pelo deserto de Atacama ou ainda por Machu Picchu. Uma viagem que simboliza o "nascimento" do "Che" que inunda alguns adereços de moda numa qualquer banca de uma feira dos dias de hoje. Uma fita que mostra que aquilo que somos, pensamos, e que defendemos para a sociedade e para o mundo, não passa de um reflexo de todas as experiências de vida, mais até do que a própria educação que recebemos. Mais, somos também um produto de um certo contacto com o outro, mesmo até daqueles com quem apenas nos cruzamos.
Uma película carregada de metáforas, alegorismos e tanto simbolismo. Não são os diálogos (os quais, estritamente são simples e perfeitamente comuns) que enriquecem ou criam todo o idealismo deste filme, mas sim, as belíssimas imagens de uma parte da Terra mitificada pelo seu passado, pela sua história e, sobretudo, pelas suas gentes; bem como, pela forma meramente facial e de cruo aspecto com que os fenómenos da pobreza, da fome, da iliteracia e de algum não respeito pelos Direitos Humanos são abordados nas duas horas da realização de Salles. Aspectos simbólicos como a passagem (ao nível da montagem) de Machu Picchu para Lima, representando as alterações de paradigmas de dois tipos de civilização representados pelos referidos locais, são um exemplo da subtileza e genealidade da realização do brasileiro.
É ainda de notar a forma realística e fidedigna como Salles vai caracterizando o sul do continente americano e as suas populações, até mesmo as mais indígenas, como as dos Andes; ou ainda, algum retrato social do temperamento daquelas gentes, senão vejamos: quando Ernesto força a mulher do mecânico a beijá-lo e esta se recusa, logo toda a gente do "baile da aldeia" o tenta matar atirando-lhe garrafas de vinho quando o protagonista foge a correr.
Se por um lado, Salles usa e abusa de um movimento de câmara irrequieto e que vai acompanhando a jornada de Guevara e Granado como se nalguns momentos estivesse a coxear, por outro lado a abundância de cores quentes tranquilizam tudo o resto, enfim, como que servindo de contraste ao primeiro "tique" de realização, bem como, como um sinónimo de uma América Latina autêntica e transparente.
Com um exercício de montagem exemplar, além da exelente fotografia (em concreto as que embelezam a parte final da obra) a preto e branco, Salles junta ainda mais ingredientes a este filme, tornando-o muito bom.
Finalmente, a destacar a sublime interpretação de Gael García Bernal: comparado com Del Toro, García Bernal é a humanização de um personagem em contraponto com a rigidez/maquinização humana (se é que tal palavra se pode aplicar a um humano). (Acredito que, mais por culpa do próprio "Che" enquanto homem que era durante a Revolução Cubana, do que de Del Toro e da sua interpretação). Ele chora, ri, lê e cita Lorca e/ou Neruda, escreve, sente, apaixona-se, pensa, ultrapassa obstáculos, enfim, seria como qualquer outro não sentisse uma enorme vontade de mudar o mundo. García Bernal não interpreta um "Che" assassino, guerrilheiro, comunista ou algo do género, ele é tudo menos isso; ajuda os outros, tem sentido de justiça e igualdade, guia-se por valores nobres, enfim, parece actuar como um verdadeiro cristão. Com este "Che" qualquer um lhe faria vénia, contudo, não foi ainda desta que me convenceram a comprar uma icónica t-shirt com a sua cara numa onda pop. Fiquei sim, com uma enorme vontade de fazer uma road-trip de uma ponta a outra pela América do Sul acompanhado da fantástica banda sonora de Gustavo Santaolalla.
Diarios de Motocicleta foi Selecção Oficial do Festival de Cinema de Cannes em 2004.

Nota: 4

4.15.2009

Retour!

Findas várias semanas de ausência (e semi-ausência) do mundo dos blogs, estamos de regresso. Afinal, umas merecidas férias de neve assim o ditaram.
E, nestes entretantos, ganhei uns 100€ com tudo aquilo que rejeito: demagogia; vi alguns filmes que acabaram por ser negligenciados na crítica, dado meu reduzido tempo nas últimas semanas.

O primeiro, ainda antes de começar o ELSA MUN 09 foi o filme Religious - Que o céu nos ajude, de Larry Charles. Uma película em documentário pop kitsch onde Bill Maher goza e troça de tudo quanto é religioso, de todos aqueles que acreditam em algo sobrenatural. Pareceu-me muito redutor a abordagem feita, afinal, ele próprio é também um adepto de um certo fundamentalismo: o ateu. Contudo, um fita divertida. Nota: 6O segundo filme foi Duplicity - Dupla Sedução, de Tony Gilroy. Uma longa-metragem com Julia Roberts e Clive Owen, na qual ambos interpretam antigos agentes secretos da CIA e do MI6, respectivamente. Ambiciosos, viajados e sedentos de dinheiro, tentam o golpe (roubando) uma fórmula cosmética anti-calvice. Uma fita onde as grandes metrópoles, as marcas e os melhores hóteis são reis e senhores. Contudo, uma película com uma história de certo modo confusa, bem como, com uma narrativa que se vai atropelando com episódios descontextualizados uns dos outros. Nota: 6

Futuramente e, para corresponder a imperativos de maior "equidade", a escala classificatória de todos os filmes estará compreendida ente 0 e 5 valores.

The Argentine - Che: Part One

Ao fim de algumas (bastantes) semanas de ausência das salas e, do mundo do cinema, decidi (antes que saia de vez do grande ecrã) ver hoje The Argentine - Che: Part One - Che - O Argentino, a mais recente obra de Steven Soderbergh. Um filme que estreou em Portugal na abertura do FantasPorto 2009 e que, não pude ver por estar de férias em Roma.
Che - O Argentino é uma película ímpar, quando se trata de avaliar os diversos filmes que já se realizaram sobre a vida (ou parte dela) de Ernesto Guevara. Neste, Soderbergh inicia a acção presente do filme no início dos anos cinquenta aquando da subida ao poder pelo General Baptista. Mais, depois de contextualizar histórica e temporalmente a narrativa, faz referência ao primeiro encontro entre "Che" e Fidel Castro, mostrando em que circunstâncias ambos se conheceram e preparam La Revolución. A ocupar a quase totalidade da longa-metragem encontramos as conquistas e outros episódios dos rebeldes comunistas a caminho de Havana. Contudo, Soderbergh surpreende quando num sublime trabalho de realização e montagem introduz sucessivas prolepses temporais na acção, em concreto: a ida de Guevara enquanto representante de Cuba à 19ª Assembleia Geral das Nações Unidas em 1964, nos EUA. A história é esta, apenas.
O que mais surpreende e, consequentemente torna Che - O Argentino um bom filme são sem dúvida os aspectos e outros pormenores e "tiques" da realização de Steven Soderbergh. A recorrência dos sons das montanhas cubanas é uma constante no caminho de Ernesto até à capital mas, sobretudo, a realização de um "Che" de tipo documental aquando da sua ida a NYC em 1964 é brilhante: uma mostra (forçada naturalmente) de uma realização pouco cuidada/tratada, o uso do príncipio ao fim do noir, além das parecenças físicas de todos os personagens secundários com os homens reais; a confusão linguística que por vezes se instaura na acção só a torna ainda mais realista e enriquecedora, bem como, o cuidado na caracterização física dos personagens e dos espaços está extraordinário.
É ainda de notar que, se por um lado "Che", o homem, o revolucionário, o médico muitas vezes se confunde com a própria Revolução Cubana e com o comunismo latino-americano, facto é que o realizador e claro, o próprio Benicio Del Toro - com uma interpretação sublime, alías vencedor da Palma de Ouro de Cannes - constroem um (lado humano) ao personagem: além de "Che" ser permanentemente focado pelas câmaras, tornando-se os restantes personagens "super secundários", é-lhe acrescido um certo lado comum, digamos, um pouco mais sentimental.
Por outro lado, enquanto a acção de per si parece não ter (grandes desenvolvimentos) ao nível da trama, o intercalar com imagens (quase em reportagem em directo) dos 60s de Guevara na AG ONU tornam a narrativa muito heterogénea e variada.
Em suma, e, numa (reduzida) reflexão política sobre quem foi e o que ainda representa Ernestro Guevara de notar que quando afirma que "um povo iletrado é um povo que se deixa manipular", e tendo em conta a realidade social de Cuba na época, não terá ele também manipulado esse mesmo povo iletrado a segui-lo para a sua La Revolución?! Certamente que sim, no entando, deixarei mais comentários desta natureza quando vir a segunda parte do filme.
Nota: 4

3.27.2009

ELSA MUN 2009

Se no ELSA MUN 2008 representara França na Assembleia Geral da Nações Unidas, este ano digamos que estou a ser (por três dias) Silvio Berlusconi.

3.23.2009

The Wrestler

Depois de ter ficado em falta (por não ter visto e já não estarem nas salas de cinema) com Frost/Nixon, Rachel Getting Married e The Visitor, decidi ver hoje The Wrestler - O Lutador, do realizador Darren Aronofsky.
Brainstorming superficial sobre a película: achei um filme que se possa dizer "mediano"; o protagonista tem uma interpretação sublime; a narrativa em si, isto é, o argumento propriamente dito, não me encantou.
The Wrestler conta a história de Ron ou Randy Robinson, The Ram, um lutador caído em desgraça que, vinte anos antes, nos 80s, fora cartaz de muitos combates, alcançando a fama e o dinheiro. Hoje, vive sozinho numa roulote (ou no seu carro), com problemas de sustento económico, além de não ter família, Randy é a autêntica "diva esquecida". Depois de um combate, vem a ter um enfarte, alertando-lhe o médico de que teria que deixar o wrestling, pois poderia morrer. Enfim, as situações secundárias da narrativa como, a relação díficil que mantém com a filha Stephanie (Evan Rachel Wood), ou ainda, a (única) amizade que tem com Pam ou Cassidy (numa óptima interpretação de Marisa Tomei), vão surgindo entre lutas, lutas e mais lutas.
O maior valor acrescentado da longa-metragem é sem dúvida Mickey Rourke. Tem uma interpretação genuinamente fantástica. É o homem esquecido, abandonado (talvez até por si, dado o seu percurso de vida), ferido, que é mais esteróides que "cabeça", mas que não deixa de ter emoção, sentimentos, coração. Como (quase) repetidamente foi dito depois de ter ganho o Golden Globe e o BAFTA, o filme retrata a vida de um lutador, sendo que, é de tal forma semelhante à vida profissional e artística de Rourke (afinal este optando por se dedicar ao Boxe, abandonou (em parte) o cinema no final dos anos oitenta, passando a ficar apenas com fitas menores) que, mais parecem confundir-se o personagem com o actor. Discordo em parte: Randy começa e acaba no filme da mesma forma; Rourke "ressuscita dos anos 80" não para a fama, mas para o reconhecimento do público e da crítica. Com uma caracterização física extremamente adequada ao seu "eu" e aos espaços em que se vai movimentando, Rourke é ainda "filho" de uma geração onde os plásticos, os brilhos e as brilhantinas, o mundo do show-off e das luzes, das quedas e ribaltas esporádicas, do heavy metal, das licras e cabedais justos, enfim, de uma geração que não reconhece a contemporâniedade do mundo actual (não se revendo nele) e que se sente uma "mera carne velha e esquecida", como chega a caracterizar-se a si mesmo. Rourke, ri, chora, sofre, luta, tem sexo num WC público, droga-se, enfim. É o actor certo para o concreto papel.
É ainda de referir a interessante analogia que se vai fazendo entre os personagens de Mickey Rourke e Marisa Tomei: tal como ele, ela é uma stripper "fora de prazo", gasta, e com uma enorme dificuldade nas relações humanas.
Acerca dos aspectos de realização, de notar que Aronofsky usa e abusa da câmara ao ombro, quase prototipando uma espécie de filmagem em documentário, adoptando uma visão neo-realista, fria, sem floreados ou efeitos especiais, crua e acima de tudo, tão humana sobre tudo, de todos os pormenores, (até mesmo dos aparentemente mais insignificantes); durante toda a narrativa, o realizador vai seguindo os personagens por trás, num verdadeiro plano de intimidade, proximidade e transparência.
Os espaços conseguem uma relação quase umbilical com a trama, a boate onde Cassidy se despe e que Randy frequenta é também ela um último resquício dos 80s.
Nota: 7

3.20.2009

Manhattan

Depois de ter escrito acerca de Vicky Cristina Barcelona e, em concreto sobre Woody Allen afirmando: "mais, só não o adorei porque não sou propriamente fã do realizador", senti que fora algo "vago", melhor, pouco explicativo com a mesma expressão, no limite, quase injusto para com o cineasta. Precisamente por isto, não servirá a presente crónica como uma expressão contraditória à opinião publicada anteriormente sobre Allen, mas antes como uma opinião acerca de um filme (que adoro) incontornável na história da "Sétima Arte", e que torna Woody Allen um bom realizador.
Manhattan é se não o melhor, um dos melhores filmes de Woody Allen (a par com Annie Hall, The purple rose of Cairo ou Hannah and Her Sisters, p.e.).
Manhattan, que tem como protagonista, Allen, (além da interpretação e da realização, este foi também argumentista, juntamente com Marshall Brickman) conta a história de Isaac Davis (Woody Allen), um escritor de comédias de 42 anos, e a sua relação com Tracy (Mariel Hemingway), uma "miúda" ou litle girl (como o próprio a chamava) de 17 anos. A "isto", junta-se a friend couple, Yale Pollack (Michael Murphy) e Emily (Anne Byrne). Entretanto surge Mary Wilkie (Diane Keaton), uma philadelphier que "anda enrolada" com Yale. Entretanto já existiam Jill (Meryl Streep, num dos seus primeiros papéis), ex-mulher de Ike/Isaac, e a sua girlfriend. A meio do filme o protagonista envolve-se com Mary, deixando Tracy, vindo mais tarde Mary a reatar com Yale, e Isaac a tentar uma segunda vez com Tracy. Enfim, um turbilhão de relações que se continuasse a escrever pareceriam algo do outro mundo, no entanto, Allen simplifica-as de uma forma tão inteligente que no fim do filme tornamo-nos quase todos convictos de um certo anarquismo emocional e/ou relacional.
A longa-metragem é a pura manifestação da idolatração (em 1979) do realizador a New York City. Arrisco-me a dizer que é NYC a grande protagonista do filme, por vezes, parece-nos que Woody Allen não ignorando ou diminuindo a trama, secundariza-a para dar lugar à sua cidade: este, deixa de filmar os personagens para filmar NYC, toda ela, por completo, e com uma paixão que só ele consegue transportar para o ecrã. Poderá não ser para alguns um serão agradável ver cinema noir, contudo, só assim conseguimos sentir tudo o que WA quer com este filme.
De notar que a personagem que interpreta (Isaac Davis) é de uma densidade/complexidade psicológica incrível: ele é satírico, com uma ironia que só Allen sabe ter, inteligente, fala de Arte, Literatura, Cinema, Beleza, Vida e Morte, Sexo, muito Sexo, ele é o típico personagem que à primeira vista só por "andar" com uma "miúda" de 17 anos seria um tipo porco, deplorável, execrável, contudo, ele é tudo menos isso, é baixo, desajeitado, sem filtro naquilo que diz, por vezes azarado. Ele é quase um auto-retrato de Woody Allen.
Há um momento sublime in the end of the film, quando WA monologamente afirma que os Manhattanianos criam neuroses para si próprios evitando "problemas insolúveis e aterrorizantes sobre o universo". Com expressões de um humor inegável como, "a bisbilhotice é a nova forma de pornografia" ou ainda "quanto a relações com mulheres, eu devia receber o prémio August Strindberg"; com uma óptima banda sonora de George Gershwin, acompanhada pela Orquestra Filarmónica de Nova Iorque; Manhattan é, e citando Angela Errigo o "auge estático do romance cinematográfico entre Woody Allen e Nova Iorque".

Nota: 10

(Diz-se que comprei o cartaz/poster de Manhattan em Roma e que ficou algures num táxi a caminho do aeroporto Leonardo Da Vinci, esperando eu que já se encontre a caminho da Rua dos Vanzeleres).

3.19.2009

Man on wire

Já há alguém tempo que estava para ir ver um qualquer filme ao Teatro do Campo Alegre. Fui hoje, acompanhado de uma sala literalmente vazia. Diz certa crítica que, contrariamente aos restaurantes, quando uma sala de cinema está vazia ou quase vazia, significa que o filme é bom. Enfim, um mero barómetro (ainda) sem comprovação empírica.
Decidi ir à estreia (não do filme mas, do filme no Porto) do documentário vencedor de Oscar, na respectiva categoria este ano.
Man on wire - Homem no arame do realizador James Marsh, cria no espectador uma miscelância de sensações que, no limite quase se opõem.
O documentário expõe o nascimento, a preparação e a concretização do sonho de Philippe Petit: instalar um arame entre as torres do World Trade Center e, passar sem qualquer tipo de segurança de uma para a outra. Por um lado, retrata o surgimento de tal ideia que para o homem comum é absolutamente irreal e absurda, e, por outro lado, vai expondo importantes momentos da vida de Petit: desde passar as torres da Cathédrale Notre Dame de Paris, também por um arame suspenso, à repetição do mesmo "espectáculo", agora em Sidney.
Mesmo depois de ver Man on wire e, saber que se trata de um documentário, continuo a ter sérias dificuldades em acreditar como foi possível um ser humano ter feito aquilo. É extasiantemente utópico, e inumano tudo aquilo.
Deve notar-se também que, o impacto que o filme tem deve-se em muito à repetição excessiva de imagens das "Torres Gémeas", e daí o seu maior valor acrescentado. Mesmo sem haver qualquer tipo de referência aos ataques terroristas de 11 de Setembro de 2001, é assunto que constantemente nos surge na memória, afinal, para certas gerações elas eram como que o ícone máximo do Ocidente, enquanto espaço de liberdade e democracia, elas eram o mundo dito civilizado num duo de edifícios.
Mais, Marsh implicitamente relaciona certa parte da vida de Petit com a construção do WTC, como que um crescimento acompanhado e mútuo.
Há um aspecto que o documentário (no seu final) insiste repetindo por diversas vezes, porquê tudo aquilo? Porquê aquele arriscar da sua própria vida? No fundo, é algo que serve como que voz do mundo inteiro, não havendo qualquer resposta de Philippe Petit aos seus quase "admiradores(as)". Concerteza nem ele a teria.
Confesso que não sou um devoto de filmes em documentário em sentido estrito, isto é, de documentários de per si, no entanto e, mesmo sabendo que toda a película fora realizada em estúdio, o trabalho de James Marsh tem um resultado positivo. Cria para o espaço da narração, aquilo a que se designa por backstage de um estúdio: os narradores são Philippe Petit e a equipa de pessoas que o ajudou à feitura do "crime artístico do século", tendo como "cenários" p.e. material de realização e/ou produção de cinema. O momento da narração, feita em discurso directo, acompanha todo o tempo em que esta vai descrevendo o tempo da acção. Este último, muitas vezes em noir, é um exemplo de uma realização de estúdio que mais parece uma filmagem pouco cuidada da época, designadamente o Verão de 1974, facto claramente propositado; ou ainda, uma mostragem de assombrosas fotografias a preto e branco que nos mostram o francês aparentemente suspenso no ar.
Um retrato das liberdades levadas literalmente ao limite, no caso personificadas por Philippe Petit, muitos próprias e características da geração de 70.
Nota: 7

3.17.2009

Road trip

Para que o meu caro amigo Zémi não desvalorize este blog pela sua suposta, "intelectualidade".
Nota: (não cabe na escala usada).

A corte do norte

Vezes há em que vou duas vezes por semana ao cinema (um número razoável), outras como hoje em que vou duas vezes no mesmo dia. No mínimo excêntrico.
No âmbito do "Ano Agustina", coincidente com o 55º aniversário da publicação d'A Síbila, Serralves exibiu hoje, em estreia, no seu grande auditório A corte do norte, a mais recente longa-metragem do realizador português João Botelho; uma película adaptada da obra de Agustina Bessa-Luís.
Com uma sala repleta de grandes nomes das artes, como Ângelo de Sousa ou Manoel de Oliveira, e, outras tantas "sumidades" e/ou intelectualidades, umas em negro integral, quais verdadeiros críticos de arte, outras em pop kitsch, como Ricardo Trêpa numa variante I love moNeY, Inês Pedrosa do Instituto Camões, autora de Fazes-me falta, discursou na qualidade de promotora/organizadora da exposição "Agustina Bessa-Luís - Vida e Obra", tecendo os maiores elogios ao génio literário da escritora, seguindo-se João Botelho, o qual elogiou bastante o seu mestre Oliveira criticando por outro lado, Pinto Ribeiro (MC), pela apatia cultural para com a cultura e para com os artistas portugueses.
Sobre o filme: parecia uma reprodução manoelista. Ninguém diria portanto que, João Botelho realizara Corrupção em 2007, ou ainda, A mulher que acreditava ser Presidente dos Estados Unidos da América em 2003. É quase uma analepse temporal do ponto de vista artístico, sabendo que o cineasta realizara a obra Quem és tu? em 2001, filme adaptado da obra Frei Luís de Sousa de Almeida Garrett.
Em A corte do norte, assistimos a uma realização dos pormenores (afinal como o próprio realizador afirmou hoje, "quando não há dinheiro para filmar uma carroça, então que se filme bem a roda"), uma realização das sombras e de um certo jogo de luzes. Tal como em Manoel de Oliveira a interpretação dos actores do filme confunde-se, por ser igual, à interpretação dos actores em teatro, qual representação oitocentista onde se troca o vulgar e informal diálogo, pela formalização/rigidez do diálogo em prosa.
Acerca da narrativa: a história de uma família, os Barros, uma família burguesa-aristocrata do Funchal. Uma família mitificada por Emília de Sousa, ou Rosalina de Sousa, ou a baronesa da Madalena do Mar, uma família marcada, e, de um certo modo com uma triste sina graças àquela mulher. Ana Moreira (actriz principal) tem com esta obra, uma boa estreia na interpretação cinéfila, interpretando várias mulheres, em vários tempos, sempre no Funchal, e que terminam todas, sem excepção, n'A corte do norte. Várias mulheres que mais parecem uma só, enfim, uma mulher intemporal sempre inadaptada ao seu tempo, bem como, às convenções sociais que o acompanham e caracterizam.
Em suma, se há quem coloque ou identifique um género ou corrente literária para Agustina Bessa-Luís, admito que se torne algo redutor: Agustina tem por um lado, o dom em cantar um Portugal, tal como Camões ou Pessoa; tem o dom de criar uma situação enjoativamente ultra-romântica, tal como Garrett (nalgumas obras pelo menos); e, por outro lado, o dom da análise, observação e crítica social, tal como Eça. Não entendo que haja portanto uma "gaveta" onde poderá ser, (por motivos de simplificação para alguns), encaixada.
Não sou de todo, grande apreciador ou admirador deste género de realização e forma de interpretação, não deixando no entanto de reconhecer uma certa qualidade do filme, daí a nota abaixo indicada.
Nota: 7

3.16.2009

Vicky Cristina Barcelona

Um dia complicado o de hoje: depois de mais uma reunião de ERASMUS na faculdade, lá fui, obrigado por certas "administrativices", à loja do cidadão tratar de coisas muito chatas. E não é que me deparo com 3 horas e muitas de fila de espera?! Medo. Ainda tentei ler a Courrier Internacional mas de nada adiantou o tédio social dos serviços de Segurança Social. Tinha portanto que ocupar o meu tempo. Pois bem, passados meses da estreia de Vicky Cristina Barcelona, do mestre Woody Allen, e, prestes a sair da única sala de cinema do Porto onde ainda está a ser exibido, decidi ocupar de alguma forma o meu tempo de espera vendo a mais recente obra do cineasta nova-iorquino.
De notar que, muita gente me aconselhou a não ir ver, dizendo, "não vás é mau", "não é Woody Allen de forma alguma", "é uma seca", "a história é sempre a mesma", enfim, "aluga depois o filme em DVD". Depois disto, estranhamente a minha curiosidade só aumentou e digo, gostei muito do filme, (mais, só não o adorei porque não sou propriamente fã do realizador).
A película diz tudo com o título, no entanto, este também poderia ter sido, Vicky Juan Oviedo, Cristina Juan Maria Barcelona, Vicky Cristina Juan Barcelona, entre outros. A narrativa, também ela escrita por Woody Allen, conta-nos o Verão em Barcelona de duas amigas: Vicky (Rebecca Hall) e Cristina (Scarlett Johansson). A primeira, muito objectiva, racional, quase puritana; a segunda, o oposto, deveras sentimental, aventureira, muito temperamental. Numa galeria de arte catalã conhecem Juan Antonio (Javier Bardem), um pintor catalão com o típico "ar de artista", e aí começa o filme, e aí começa o seu Verão em Barcelona. Até ao fim do filme Woody vai criando peripécias umas atrás das outras, mais, vai criando personagens como há muito não apereciam nos seus filmes. Com Vicky Cristina Barcelona, o realizador consegue retratar toda a sociedade em apenas 90 e poucos minutos. Sempre à volta do amor, das relações pessoais, de uma constante procura de um sentido para a vida acompanhada pela razão e pela emoção, sendo que sobre estas últimas vai mais longe, personificando-as em Vicky e Cristina.
Por um lado, assume uma posição céptica, por vezes quase crítica perante a sociedade convencional de hoje, isto é, perante uma sociedade que quase obriga, sob pena de rejeição social p.e., a que cada um dos seus membros siga "à risca" o convencionalmente aceite como "natural". Por outro lado, parece-nos que faz um pouco a apologia do boémio, do artístico, do amor simultâneamente "sexual-animalesco" com a perfeição intelectual da relação, não deixando de o criticar também. Coloca-nos a exentricidade sexual e artística num lado, e o programado, o materialista e socialmente pré-definido noutro lado.
Com uma avalanche de sentimentos e cores quentes, Woody Allen nem parece um americano a realizar em Barcelona. Consegue com precisão, muito requinte, cosmopolitismo, um humor muito refinado e uma ironia muito própria, filmar a cidade catalã sem parecer um qualquer espólio fotográfico de um guia American Express.
Penélope Cruz está genuinamente bem ao interpretar Maria Elena, foi portanto merecidíssimo o Oscar que recebeu na categoria de Melhor Actriz Secundária. Scarlett tem a melhor prestação num filme do "seu realizador", mais, não parece a eterna "pão sem sal" que tantas vezes interpreta.
É ainda de referir que, a caracterização física de todos os personagens está tão intimamente ligada ao seu ser comportamental, facto que os torna ainda mais convincentes.
Finalmente, a confusão sentimental de todos os personagens encontra-se intimamente ligada à própria "confusão arquitectónica" de Gaudi ou ainda, à própria confusão do Homem de hoje. Por isto, o filme parece-nos que acaba do mesmo modo como começou: afinal, o Homem não muda em menos de duas horas (tempo real do filme) ou num Verão em Barcelona(tempo da narrativa).
Nota: 9

Gran Torino

Uma sala estridente, histérica, impaciente, barulhenta. Esta foi a plateia de hoje. Péssima!
Gran Torino, a mais recente obra do veteraníssimo Clint Eastwood, em realização e interpretação (em simultâneo), é o resultado de um olhar muito próprio e distinto de ver e viver a, e na, actual sociedade. Da narrativa (em sentido estrito), não há grande coisa a dizer-se: Walt Kowalski, interpretado sublimemente por Eastwood, é um veterano da Guerra da Coreia amargurado com vida, um homem solitário e de poucas falas, viúvo e com uma relação sempre distante com os filhos, o qual se depara com uma realidade que lhe é estranha, ser o único americano no seu bairro. Um céptico realista cru que, acaba por travar amizade com Thao, um jovem Hmong emigrante que lhe tentara roubar o seu Gran Torino de 1972. A isto junta-se um gang Hmong.
A longa metragem não é genial por isto, mas sim, por tudo o que vai retratar e representar através disto.
Por um lado, o retrato de um homem marcado pela guerra, e tudo o que ela cria (o ódio, a rigidez, a auto e hetero-dureza, a solidão, ou ainda, uma quase (tentativo de) auto-suficiência sentimental), um homem vincadamente tradicionalista, patriota, exigente com ele mesmo, mais, o exemplo de um homem de meados do século XX, filho de uma sociedade higienizada e que pretende higienizar. Este é Kowalski. No entanto, há algo de surpreendentemente louvável num personagem protagonista, como este: evolui do ponto de vista comportamental e de atitude, sendo tal, claramente óbvio neste filme. Por outro lado, é também o retrato (através do personagem principal) de uma certa América racista e xenófoba que tem uma séria dificuldade de relacionamento numa multicultural society. Walt Kowalski por vezes não nos parece que fala, mas sim que rosna como um cão (mais até do que a sua Daisy labrador). Com um sentido de humor brilhante, e um sem filtro nas palavras Eastwood criou um personagem ímpar, um personagem ainda "tipo" de uma certa sociedade ocidental que, não soube nem sabe lidar com o new world.
Este é também o filme que cruamente aborda algum choque civilizacional, de âmbito social e cultural entre o Oriente e o Ocidente. Gente que vive naquele que se diz, "o país de todas as liberdades", e que quase se apropria desse mesmo espaço (bairro onde vive) como se vivesse nas suas terras de origem. Afinal tal não passará também de uma manifestação de liberdade?! Certamente que sim.
A concreta película, é também ela sublime e, ao mesmo tempo realista na forma como trata e aborda os delicados temas, pois, contrariamente a Slumdog Millionaire que mostra a Índia pelos olhos de um ocidental pós-colonialista, Gran Torino não ilude ou distorce o que quer que seja, em particular, a realidade da comunidade Hmong dos EUA.
Citando Vasco Câmara, "se Milk, de Gus Van Sant, mostra os anos 70 para falar do presente, que é, na verdade, o fantasma que se intromete na imagem, Gran Torino passeia a câmara pelo presente em ruínas para revelar o mundo que ali está desaparecido".
Notas finais: Clint Eastwood tem uma interpretação perfeita; sobre o filme, muito bom.
Nota: 10

3.13.2009

PORTO, neste fim-de-semana: inaugurações Serralves, Alta Baixa, Clubbing Casa da Música.



Adam resurrected

Uma estreia que mais parecia ter uma audiência de um qualquer filme em exibição há semanas, ou mesmo meses no grande ecrã: apenas 8 "cinéfilos". Admito que os mais entusiastas com "as estreias da semana" tenham visto, e claro, enchido a big room de Bride wars - Noivas em guerra, ou, Gran Torino de Clint Eastwood (no qual, tenho uma enorme expectativa).

Adam resurrected - Adam renascido, de Paul Schrader, (realizador que nos anos 70 trabalhou com Sydney Pollack, Brian De Palma ou ainda, Martin Scorsese), é o filme da obra homónima de Yoram Kanuik.
É uma longa-metragem surpreendentemente diferente do registo de obras que estamos habituados a ver, mais, a ideia de filme (sempre concebida a priori de o vermos) é completamente arrasada quando o pano cai.
A concreta película, aborda do princípio ao fim, um lado por vezes esquecido de tudo o que acontece (de mau) e, aconteceu (de muito mau) na História da Humanidade: aqueles que a isso sobreviveram. Adam resurrected tem localização espácio-temporal em Telavive, nos início dos anos 60, em particular, numa clínica psiquiátrica instalada no deserto. Nela, além do pessoal médico, vivem individúos (presas), sobreviventes do Holocausto nazi (judeus alemães). Pessoas que mais parecem marionetas de uma memória que as aprisiona, de um passado que lhes foi cruel. Vidas de seres humanos que mais parecem esquecidas por uma sociedade moralizante do pós-Guerra. Este é o contexto que surge para contar o passado de Adam Stein, um palhaço, um mágico artista, enfim, um comediante famoso na Alemanha pré-Guerra. No entanto, também ele, um homem normal, comum, com família, pai, tendo contudo, um sentido de humor sempre apuradíssimo. Anos depois do começo da Guerra, o protagonista é enviado com a sua família para um campo de concentração onde, ao chegar é separado desta, para servir de entretenimento a Klein - Comandante nazi. Klein, um homem obediente (afirma, como que desculpabilizando-se com o "fenómeno nazi" que, não é ele quem faz as regras; mais, sem regras reinaria o caos), frustrado, enfim, com enormes problemas de auto-estima, transforma Adam no seu segundo "Rex", ou seja, no seu segundo cão de estimação: Adam é o seu biblô humano. Este é o trauma de Adam: tornou-se quase instintivo como um cão e, não conseguiu salvar a sua mulher e a filha mais nova dos "fornos". Apesar de tudo, sobrevive.
Um filme, onde a fé individual é constantemente posta em causa, onde os porquês à própria História sucedem-se sem respostas, onde a memória é colocada como um inimigo pior do que Hitler, enfim, onde o passado vivido é visto quase como um castigo. Um filme extremamente simbólico e figurativo: o aprender a ser um ser humano de David, com a libertação psicológica/"cura pós-traumática" de Adam, são exemplo disso. Um filme que, muitas vezes parece conter algo de não real, quase mágio, ou mesmo surreal, sabendo que trata de uma temática provada como acontecida.
De notar ainda alguns aspectos de realização: Paul Schrader mistura cinema toutes les couleurs com cinema noir. O primeiro preenche a maioria da longa-metragem simbolizando o "pós-trevas nazi", o segundo, todas as "memórias Klein", isto é, todo o tempo passado no campo de concentração e, anos antes no "Circo Adam", enfim, todo o tempo em que Hitler era "rei e senhor" (ou achava-se!). Mais um exemplo (no caso, técnico), onde a simbologia está presente e faz questão em se notar.
Nota: 8