4.27.2009

Os tambores da noite

Apesar de já ter visto a peça Os tambores da noite de Bertolt Brecht, durante a semana que passou, apenas hoje tive oportunidade de escrever sobre a mesma.
Este é o primeiro trabalho de encenação de Nuno Carinhas, enquanto director artístico do Teatro Nacional São João (TNSJ), seguindo-se a Ricardo Pais (encenador das melhores peças que por lá já passaram: O Mercador de Veneza, Otelo ou ainda, A Dúvida). Portanto, depois do legado maior de Pais, Carinhas tinha sobre si uma enorme pressão. Surpreendeu e muito!
Os tambores da noite são uma autêntica apologia contemporânea ao convencionado, às convicções (e crenças) individuais e à sua consequente veracidade prática, mais, uma verdadeira reflexão sobre o estado do mundo e sobre quem o lidera.
Se me perguntassem sobre qual o género em que inseriria formalmente a concreta obra, sinceramente não o saberia: a peça tem por um lado diálogos próximos da comédia, e por outro lado, tem uma narrativa materialmente dramática, em concreto trágica.
É ainda de notar a proximidade d'Os tambores da noite com a clássica obra de Almeida Garrett, Frei Luís de Sousa, quando tal como na primeira alguém responde "ninguém" quando lhe perguntam "quem és tu?".
A obra que Bertolt Brecht considera "um perfeito exemplo da vontade humana. Fi-lo para ganhar dinheiro", (facto que, vindo de um anarquista próximo do marxismo purista, torna-o no mínimo surpreendente) conta-nos a história de Andreas Kragler, um soldado operário feito refém em África que regressa a Berlim (sua terra natal) aquando da Revolução Espartaquista quatro anos depois de ter sido dado como desaparecido. O tempo da acção são os anos de 1918-1919. Um militante teórico do socialismo que começando por aderir àqueles ideais acaba por lhes virar as costas optando por uma “grande cama, branca e larga”. Se por um lado tal comportamento revela-nos o "anti-herói" que Kragler é (opta pela noiva mesmo sabendo que esta estava grávida de outro homem e o traíra enquanto esteve em África, p.e.), por outro lado é a própria fraqueza do ideal socialista, o qual na prática mais parece algo próximo do burguesismo disfarçado de um esquerdismo pseudo-intelectual. No fundo, perante o mais fácil, o mais social e politicamente correcto, o menos desconfortável, o homem cede às circunstâncias traindo-se a si próprio, qual catárse de uma morte intelectual.
Uma peça que vive do simbólico, do visual e mais do que tudo, dos aspectos sonoros (de notar como começa a obra: ao som de estridentes tambores). Uma peça com belíssimos cenários: a lua vermelha que ocupa quase todo o palco ao longo da acção parece-nos sempre um indício trágico de algo, um indício trágico da própria auto-traição de Kragler às suas convicções e ideais. Uma peça com sublimes interpretações, acompanhadas de textos eloquentes, cómicos, e por vezes (quase) clássicos. Gostei.

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