4.29.2009

Singularidades de uma rapariga loura

Tive há pouco oportunidade de ver em Serralves a ante-estreia da mais recente longa-metragem do cineasta centenário Manoel de Oliveira: Singularidades de uma rapariga loura.
Como já o afirmei em anteriores crónicas, não sou nem conhecedor nato, nem apreciador crítico da obra do realizador português. No entanto, não deixo de reconhecer a capacidade criadora que teve e continua a ter ao filmar à sua maneira, muito própria, sendo ao mesmo tempo um aspecto distintivo e caracterizador do seu cinema.
O filme, como aliás é sabido, é inspirado, sendo similarmente uma adaptação do conto de Eça de Queirós, também ele com o mesmo nome. Se por um lado, entendo que Oliveira é um pouco como o whisky (não querendo ser grosseiro como a comparação), ou seja, não se gosta à primeira, vai-se apreendendo a gostar com alguma maturidade, por outro lado, qualquer um que admire a escrita de Eça acaba por gostar deste filme.
A narrativa é densa, descritiva, e, ao mesmo tempo simples, e irónica. É nos contada a história de Macário (Ricardo Trêpa) e do seu desejo e amor por Luísa (Catarina Wallenstein), a rapariga loura. Uma relação cheia de contratempos e por princípio podre, não por defeito ou culpa das circunstâncias, mas pela própria natureza do Homem.
Planos simples, crus e mais do que tudo, repetitivos abundam ao longo da película. Diálogos e discursos fora de tempo, espaços museológicos e personagens do mais teatral que há, quase a roçar a uma encenação próxima de Bresson. Oliveira filma uma Lisboa estática, de rotinas (e colinas), de hábitos: sempre do mesmo modo, de dia e de noite, sempre a mesma imagem, sempre a mesma Lisboa. Fá-lo para tornar o conto de Eça mais convincente, afinal, o próprio afirmava a comum e intemporal natureza do Homem português (burguês), sempre com os mesmos vícios p.e.; bem como, para acompanhar a própria vida literária do personagem principal, Macário, afinal mais uma vez, por mais voltas e mudanças que tentasse dar e ter, acabou por voltar ao mesmo sítio como no início da obra: solteiro e bom rapaz. É apaixonante ver Eça no ecrã.
Ainda a notar, Oliveira foi mestre nisto: acabou com o tempo entre Eça e os nossos dias. Por vezes cria-se no espectador uma certa confusão temporal na medida em que, os aspectos de natureza formal (objectos, notas, ruas, enfim) são contemporâneos, e os aspectos de natureza material (os discursos, o tratamento social, entre outros) são oitocentistas.
Em suma: Manoel de Oliveira além de manter uma realização oliveirista (como já o referi), recorre como sempre à temática dos valores sociais e morais, interpretando o papel de um cineasta pedagogo; mais, a imagem que faz cartaz ao filme é forte e provocadora, não sendo nada mais do que o desespero humano na recorrente e mais uma vez intemporal ausência de valores sociais.
Nota: 3, bom.

1 comentário:

  1. adorei a cronica...o filme não e dos melhores do mestre...mas é sem duvida um bom filme...

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