3.09.2009

En chair et en os

Há realizadores que, ou se adoram, ou se odeiam. Pedro Almodovar é um exemplo disto mesmo. Com um trabalho reconhecido e aclamado pelo público e pela crítica, Almodovar é um nome inultrapassável no cinema em geral, no cinema espanhol em particular. Com um trabalho, um estilo de realizar muito próprio e, com uma abordagem amplamente reflectiva sobre a sociedade e alguns dos seus aspectos mais intímos, o realizador europeu tem o dom de tratar de temáticas (muitas vezes) tabú de uma forma no mínimo sui generis.
En chair et en os - Em carne viva/Carne trémula (de 1997), sai um pouco fora do estilo e da forma de realizar Almodovar, não deixando de ser no entanto um bom filme.
A longa-metragem conta a história do "inocente", inexperiente, e confiante mas persistentemente azarado, Victor Laballe; muito bem interpretado por Liberto Rabal. Victor é um rapaz de 20 anos, filho de uma prostituta, Isabel Laballe (Penélope Cruz), que o "pariu" num autocarro público de Madrid em 1970, no auge das "restrições franquistas" de liberdades fundamentais.
Depois de uma noite ("a primeira" de Victor) de sexo e droga com uma desconhecida de nome Elena (Francesca Neri), num WC de uma discoteca madrilena, Victor, religiosamente guarda num pedaço de um guardanapo a morada e o respectivo contacto da "sua primeira". Dias depois ao contactá-la, apercebe-se do desprezo de Elena perante a sua insistência obsessiva em reencontrá-la. Contudo, Elena, pensando tratar-se do dealer por quem esperava deixa entrar Victor em sua casa. Minutos depois tudo se complica com a chegada de dois polícias: Sancho (Jose Sancho) e David (Javier Bardem).
O fatídico "encontro a quatro" acaba com tiros e afins: David fica agarrado a uma cadeira de rodas, vindo a tornar-se atleta paraolímpico vencedor de várias medalhas em Barcelona 92; Sancho continuará a violentar a mulher, Clara (esta continuará a trair Sancho) (Angela Molina), e claro, a embebedar-se consecutivamente; Elena, uma punk fora de tempo de origem italiana, vem a casar-se com David como que uma "poção mágica" para acabar com o seu complexo de culpa; e Victor, vai preso seis anos por alegadamente ter atingido David. Esta é a premissa umbilical que contextualiza os personagens e os seus relacionamentos durante o filme.
Uma película onde os personagens são tudo menos tábua rasa de algum protótipo, personagem histórica, personagem-tipo, enfim. Não conseguimos defini-los por completo até ao fim do filme; são verdadeiras "personagens redondas", como usualmente costumamos designar na literatura. Não há vilões ou heróis, bons ou maus. Em suma, dos cinco personagens centrais da narrativa há manifestações de todos os estados de alma, (quase em simultâneo): paixão, violência, ódio, amor, ciúme, obsessão, enfim, tudo quanto há.
Um thriller, adaptado da obra de Ruth Rendell, que persiste em unir o não unível, (para alguns pelo menos): a recorrência nos diálogos (alguns num tom vulgar) de assuntos como o sexo e a droga, unidos com a Bíblia, e/ou incorporados/integrados em frases bíblicas.
En chair et en os, é também o filme dos espaços exageradamente e, diabolicamente kitsch. O descontrolo de cores e uma quase proliferação de cruzes e pequenos altares caseiros impera em todos os espaços físicos.
Finalmente, a referenciar ainda que, Almodovar é único no modo como torna uma problemática dita séria, num assunto quase vulgar e/ou cómico.

Nota: 9

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