3.03.2009

Ganhar a Vida

Ganhar a Vida, do realizador João Canijo tem à primeira vista um argumento pobre, banal, comum, enfim mais do mesmo. E, no limite, assim o é. Contudo o discípulo de Manoel de Oliveira, como quem trabalhou no início dos anos oitenta, e/ou de Wim Wenders, adapta-o de forma brilhante.
A longa-metragem do realizador português conta-nos a história pobre, banal, comum, enfim mais do mesmo, de uma mulher que perde o seu filho. Cidália Ribeiro, interpretada de forma sublime por Rita Blanco é uma mulher emigrante portuguesa que vive na periferia de Paris, em Villeneuve de Saint Georges. Cidália, uma empregada de limpezas, vivendo em difíceis condições económicas, vive a trabalhar na esperança de uma melhor vida, com o objectivo de um dia voltar para Portugal. Até aqui, a história é de uma mulher pobre, banal, comum, enfim mais do mesmo; contudo, um dia o seu filho mais velho, Álvaro, é brutalmente assassinado pela Polícia. A partir daqui, toda a vida de Cidália se vai degradando. A viver no seio da comunidade emigrante nacional nos arredores de Paris, Cidália não aceita as evidências do facto, revoltando-se, tentando agir contra a polícia, enfim, tentando superar a morte do seu filho. O argumento é isto, somente isto. É com tudo o resto, especialmente com o desempenho de Rita Blanco que, João Canijo faz deste filme, um excelente exemplo da boa produção de cinema português.
O retrato que faz dos emigrantes portugueses revela-nos uma comunidade fechada, envergonhada, com medo, pouco unida, "guetizada", com enormíssimos problemas sociais e de integração na sociedade, no caso a francesa. É assustador pensar-se que o maior inimigo de Cidália fora a sua própria comunidade, ao ponto de lhe destruírem e queimarem a casa, apenas por confrontar a Polícia com respostas, com a verdade.
Com uma realização intencionalmente (quase) amadora/primária, Ganhar a Vida, vence pelo simbolismo: a tentativa da comunidade de emigrantes em recriar um ambiente que lhes seja familiar (português, portanto) é sinónimo de Fátima, Futebol (SLB), Fado, (bacalhau, ranchos folclóricos, Goucha, Romana, Anjos ou Ágata). Os ambientes propositadamente escurecidos e humildes, onde abundam Santas e flores de plástico, servem de palco a problemas familiares de total desestruturação do agregado, onde a violência doméstica convive ("desde que não vá para o hospital") com uma religiosidade cega, bem como, com a delinquência juvenil.
Uma obra neo-realista produzida por Paulo Branco, que versa sobre pessoas sem terra, sem identidade, sobre uma comunidade em que o silêncio é a regra, numa tentativa de quase auto-suficiência.
De notar por fim que, Ganhar a Vida, de João Canijo fez parte da Selecção Oficial do Festival de Cannes em 2001.

Nota: 9

2 comentários:

  1. Gonçalo, um cinéfilo como tu pretendes ser não pode dizer que filme Noite Escura foi candidato ao Óscar de Melhor Filme Estrangeiro. Na verdade, ele foi seleccionado pelo ICAM para representar Portugal, mas não chegou sequer à short list dos pré-candidatos ao Oscar, de onde saem os 5 nomeados!

    Aliás, nenhum filme português foi, alguma vez, candidato ao Oscar de melhor filme estrangeiro.

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  2. É verdade sim, erro de informação. Peço desde já desculpas, e Beatriz, obrigado pelo reparo.

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