3.16.2009

Gran Torino

Uma sala estridente, histérica, impaciente, barulhenta. Esta foi a plateia de hoje. Péssima!
Gran Torino, a mais recente obra do veteraníssimo Clint Eastwood, em realização e interpretação (em simultâneo), é o resultado de um olhar muito próprio e distinto de ver e viver a, e na, actual sociedade. Da narrativa (em sentido estrito), não há grande coisa a dizer-se: Walt Kowalski, interpretado sublimemente por Eastwood, é um veterano da Guerra da Coreia amargurado com vida, um homem solitário e de poucas falas, viúvo e com uma relação sempre distante com os filhos, o qual se depara com uma realidade que lhe é estranha, ser o único americano no seu bairro. Um céptico realista cru que, acaba por travar amizade com Thao, um jovem Hmong emigrante que lhe tentara roubar o seu Gran Torino de 1972. A isto junta-se um gang Hmong.
A longa metragem não é genial por isto, mas sim, por tudo o que vai retratar e representar através disto.
Por um lado, o retrato de um homem marcado pela guerra, e tudo o que ela cria (o ódio, a rigidez, a auto e hetero-dureza, a solidão, ou ainda, uma quase (tentativo de) auto-suficiência sentimental), um homem vincadamente tradicionalista, patriota, exigente com ele mesmo, mais, o exemplo de um homem de meados do século XX, filho de uma sociedade higienizada e que pretende higienizar. Este é Kowalski. No entanto, há algo de surpreendentemente louvável num personagem protagonista, como este: evolui do ponto de vista comportamental e de atitude, sendo tal, claramente óbvio neste filme. Por outro lado, é também o retrato (através do personagem principal) de uma certa América racista e xenófoba que tem uma séria dificuldade de relacionamento numa multicultural society. Walt Kowalski por vezes não nos parece que fala, mas sim que rosna como um cão (mais até do que a sua Daisy labrador). Com um sentido de humor brilhante, e um sem filtro nas palavras Eastwood criou um personagem ímpar, um personagem ainda "tipo" de uma certa sociedade ocidental que, não soube nem sabe lidar com o new world.
Este é também o filme que cruamente aborda algum choque civilizacional, de âmbito social e cultural entre o Oriente e o Ocidente. Gente que vive naquele que se diz, "o país de todas as liberdades", e que quase se apropria desse mesmo espaço (bairro onde vive) como se vivesse nas suas terras de origem. Afinal tal não passará também de uma manifestação de liberdade?! Certamente que sim.
A concreta película, é também ela sublime e, ao mesmo tempo realista na forma como trata e aborda os delicados temas, pois, contrariamente a Slumdog Millionaire que mostra a Índia pelos olhos de um ocidental pós-colonialista, Gran Torino não ilude ou distorce o que quer que seja, em particular, a realidade da comunidade Hmong dos EUA.
Citando Vasco Câmara, "se Milk, de Gus Van Sant, mostra os anos 70 para falar do presente, que é, na verdade, o fantasma que se intromete na imagem, Gran Torino passeia a câmara pelo presente em ruínas para revelar o mundo que ali está desaparecido".
Notas finais: Clint Eastwood tem uma interpretação perfeita; sobre o filme, muito bom.
Nota: 10

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